**Opinião**

Há alguns anos, a professora e feminista Linda Nicholson nos ensinou que precisamos abandonar a ideia de que a biologia é determinante na demarcação de diferenças e semelhanças entre homens e mulheres, bem como a ideia de generalizações equivocadas. Essas generalizações possibilitam a inscrição de rótulos a partir do corpo que aponta o que seja mulher e homem, como identidades estáticas.

Tais generalizações levam a imaginar que uma mulher transexual é estranha às formas tradicionais que apontam um sentido único de “mulher”. Assim, como imaginar um corpo que não corresponda a essa “matriz” universal, cujas sutilezas são interpretadas como desvios da norma, como uma mulher com pênis e ou um homem com uma vagina.

O caminho que a pesquisadora nos sugere é o de não pensar o corpo a partir de um padrão, mas de articulações no sentido político de “mulheres”, como um mapa de semelhanças e diferenças que se cruzam.

E é por este caminho de Nicholson que este artigo se articula e chama a atenção para uma polêmica que tem ocupado o mundo das notícias neste tempo dos Jogos Olímpicos: quem é Imane Khelif e Lin Yu-ting? Uma polêmica desnecessária que tem contribuído para disseminar hate, desinformações, preconceitos e discriminação.

Desse modo, na tentativa de colaborar para uma reflexão crítica acerca da temática, enquanto advogados ativistas dos direitos humanos, especificamente da diversidade sexual e de gênero, convidamos colegas advogados e advogados ou não, para o diálogo que se segue. Imane Khelif, boxeadora argelina, participante dos Jogos Olímpicos de Verão, de Paris de 2024, tornou-se notícia não apenas por seu desempenho esportivo em suas lutas nos Jogos, mas por ter se tornado alvo de uma violenta campanha de ódio por movimentos de extrema-direita.

Imane Khelif nasceu na cidade e comuna de Ain Sidi Ali, localizada na província de Laghouat, Argélia, em 2 de maio de 1999, mas sua família se mudou para a vila rural de Biban Masbah, quando Imane ainda era pequena. Em uma entrevista recente, seu pai contou que Imane sempre gostou de esportes e, quando criança, participou de treinos de futebol, chegando a se destacar e causar incômodos nos garotos, motivo pelo qual Imane viria se interessar pelo boxe. Seu pai, porém, relatou se opor a esse interesse da filha, por “não aprovar boxe para meninas”. Aos 16 anos, enquanto ele trabalhava como soldador, no deserto do Saara, Imane vendia sucata para reciclagem, e sua mãe vendia cuscuz, para custear as tarifas de ônibus, o transporte de Imane até a vila vizinha, onde poderia treinar boxe.

Em 2018, Imane fez sua estreia no Campeonato Mundial Feminino de Boxe da IBA (Associação Internacional de Boxe), terminando em 17º lugar na categoria peso super leve feminino. Em 2019, no mesmo campeonato, terminou em 33º lugar, mas aos poucos, Imane começou a conquistar alguns sucessos na carreira, representando a Argélia nos Jogos Olímpicos de Verão de 2020, em Tóquio. Em janeiro de 2024, Imane se tornou embaixadora da Unicef.

**História transformadora vira alvo de ataques**

A história de Imane poderia ser mais um belíssimo exemplo do poder transformador do esporte, mostrando o poder do esporte em atravessar culturas e tradições, unindo pessoas e emoções, capaz de transformar a realidade social, econômica e política das pessoas envolvidas, inspirando e estimulando as pessoas a superarem obstáculos e adversidades, sejam impostos pela sociedade, seja imposições de nossos próprios corpos.

Todavia, a luta e esforço de Imane, buscando superar suas próprias adversidades, ao invés de servir como exemplo de espírito desportivo, foram transformados em uma farsa global pela extrema-direita, em mais um capítulo da baixa, desumana e desonesta campanha contra mulheres e pessoas LGBTQIA+.

Em um especial ataque buscando minar a presença de pessoas trans na sociedade, Imane passou a ser acusada pela extrema-direita e movimentos fascistas de ser uma mulher trans. A origem dessas acusações nasce da vitória de Imane contra sua oponente italiana, que desistiu da luta após 46 segundos, e da desqualificação de Imane no Campeonato Mundial de Boxe de 2023, organizado pela IBA. A desqualificação de Imane, uma controversa e nebulosa atitude tomada pela entidade, foi fundamentada em suposta falha da boxeadora, em “testes de elegibilidade de gênero”.

A atitude opaca da entidade foi tomada em cenário que já era cercado de outras controvérsias; a IBA foi desclassificada como órgão dirigente mundial do esporte, pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), devido a preocupações com sua administração.

Em 2023, Imane, disputando a chance de medalha de ouro do Campeonato Mundial de Boxe, derrotou a boxeadora russa Azalia Amineva na rodada anterior. Sua competidora, então, era uma competidora invicta…

Para ler o artigo completo, [clique aqui](https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/08/Imane-Khelif-reproducao-300×284.jpg).

Fonte: Conjur