No mês de março, duas datas históricas são lembradas no Brasil: o golpe civil-militar de 1964, ocorrido em 31 de março, e o início da operação “lava jato” em 17 de março de 2014.

Ambos os acontecimentos marcaram períodos sombrios da história brasileira, resultando no enfraquecimento da democracia e na violação de garantias civis fundamentais. Tanto na época do golpe militar como na atualidade, a resistência ocorreu nas ruas e nos tribunais.

Recentemente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, fez uma analogia entre os dois momentos, ao comparar a operação “lava jato” com o “Ato Institucional nº 5”, tentando cassar o direito ao Habeas Corpus em suas “dez medidas contra a corrupção”. Ele também mencionou a necessidade de uma “Comissão da Verdade” para investigar a operação, que ele chamou de “o maior escândalo judicial da história”.

O ministro Dias Toffoli também encontrou semelhanças entre os dois períodos, quando declarou em uma decisão que os operadores da “lava jato” não distinguiram inocentes de criminosos, e utilizaram métodos de tortura psicológica para obter “provas” contra inocentes.

Embora os abusos da operação “lava jato” e a ultraviolência do regime militar não possam ser comparados diretamente devido à escala da barbárie praticada pela ditadura, ambos possuem traços autoritários em comum. Ambos os períodos utilizaram o medo do “inimigo interno” para manipular as massas, justificar abusos e conquistar o poder.

A falta de uma justiça de transição efetiva no Brasil, que responsabilize os autores das violações de direitos praticadas tanto no período da ditadura militar como na operação “lava jato”, contribui para a crise democrática atual. É necessário tomar providências equivalentes para superar o trauma autoritário e evitar a repetição dessas tragédias.

A promoção de uma Justiça de transição, com a reparação das vítimas e a exposição das violações cometidas em nome do Estado durante esses períodos de exceção, é um passo necessário para a restauração do Estado de Direito. Medidas como pedidos públicos de desculpas, condenações por abusos, indenizações financeiras e reparações simbólicas são importantes para resgatar a dignidade das vítimas e marcar a memória coletiva do perigo das aventuras autoritárias.

Países como a Argentina e a Alemanha já passaram por processos de Justiça de transição após períodos autoritários, com a penalização judicial de autores de crimes de Estado e a transformação de locais de atrocidades em espaços educativos e memoriais. No Brasil, a Justiça de transição é considerada “inacabada”, com medidas tardias e parciais, como a criação da Comissão Nacional da Verdade em 2012, combinada com anistias concedidas pela Lei de Anistia de 1979.

Relembrar, responsabilizar e reparar não é apenas voltar ao passado, mas garantir um futuro democrático. Os abusos da operação “lava jato” já foram reconhecidos pelo Poder Judiciário, que anulou atos e reconheceu os abusos cometidos. No entanto, é preciso ir além e promover uma verdadeira Justiça de transição, reconhecendo os direitos violados e trazendo consequências materiais para esses atos. Isso não se trata apenas de compensar as vítimas, mas de enviar uma mensagem para a sociedade de que tais abusos não serão tolerados no futuro.

Portanto, é crucial lembrar e aprender com o passado, buscando a reconciliação com os traumas do autoritarismo. A falta de uma verdadeira Justiça de transição e a anistia a quem atentou contra a democracia nos trouxeram à crise atual. Repetir esses erros só resultará em mais absurdos e arbítrios no futuro. A responsabilização, reparação e garantia de um futuro democrático são essenciais para evitar repetições devastadoras.