Opinião

O novo quadro regulatório europeu de ESG (environmental, social and governance) está sendo implementado para unificar e padronizar as práticas de sustentabilidade em toda a União Europeia. Este movimento visa abordar a fragmentação existente devido a normas voluntárias e práticas heterogêneas que têm prevalecido no mercado, bem como combater o fenômeno do greenwashing, onde as empresas fazem alegações ambientais enganosas. A implementação desta estrutura regulatória tem implicações profundas para gestores de ativos, instituições financeiras e grandes corporações, tanto dentro da UE quanto globalmente.

Contexto e necessidade de regulação

Nos últimos anos, a importância das práticas ESG aumentou significativamente, movendo-se das margens para o centro das atenções de investidores, reguladores e do público em geral. Esta mudança foi impulsionada por vários fatores, incluindo o crescimento de partidos políticos verdes, a cobertura intensa nas redes sociais sobre essas questões e a crescente evidência das mudanças climáticas e suas consequências desastrosas, como poluição marinha, incêndios florestais e furacões.

Em resposta a essa demanda crescente por investimentos sustentáveis e para prevenir práticas de greenwashing, a União Europeia desenvolveu um conjunto de normas regulatórias para garantir que as alegações de sustentabilidade sejam suportadas por dados robustos e análises transparentes. Este movimento não apenas melhora a confiança dos investidores, mas também promove uma concorrência mais justa entre as empresas, assegurando que aquelas que realmente investem em práticas sustentáveis sejam reconhecidas e recompensadas.

Componentes do quadro regulatório

O novo quadro regulatório de ESG da UE é composto por três principais regulamentos: a regulamentação de taxonomia, a regulamentação de divulgação e a regulamentação de benchmarks.

Regulamentação de taxonomia: Estabelece condições e um quadro para criar gradualmente um sistema de classificação unificado para determinar se uma atividade econômica é ambientalmente sustentável. Este regulamento aplica-se a participantes do mercado financeiro que disponibilizam produtos financeiros e inclui uma ampla gama de fundos de investimento, fabricantes de produtos e gestores de ativos, incluindo empresas de seguros, fundos de pensão, AIFMs (gestores de fundos de investimento alternativos) e empresas de gestão de Ucits (Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários).

A taxonomia abrange seis objetivos ambientais principais: 1) mitigação das mudanças climáticas, 2) adaptação às mudanças climáticas, 3) uso sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos, 4) transição para uma economia circular, 5) prevenção e controle da poluição, e 6) proteção e restauração da biodiversidade e dos ecossistemas. Estes objetivos são implementados por meio de atos delegados, desenvolvidos em duas fases, com obrigações específicas para estados-membros da União Europeia, participantes do mercado financeiro e grandes entidades de interesse público.

Regulamentação de divulgação: Introduz obrigações sobre como investidores institucionais e gestores de ativos integram fatores ESG em seus processos de gestão de risco. Aplica-se a todos os participantes do mercado financeiro e empresas de investimento autorizadas sob a MiFID (Diretiva sobre Mercados de Instrumentos Financeiros) que fornecem serviços de gestão de carteiras, bem como a consultores financeiros, incluindo certos intermediários de seguros e provedores de aconselhamento de investimento.

Os requisitos de transparência incluem a divulgação de políticas internas sobre a integração de riscos de sustentabilidade no processo de tomada de decisão de investimento e aconselhamento, a consideração dos principais impactos adversos de uma decisão de investimento em fatores de sustentabilidade, e informações sobre como as políticas de remuneração são consistentes com a integração de riscos de sustentabilidade. Além disso, as obrigações de divulgação também se aplicam a documentos pré-contratuais sobre como os riscos de sustentabilidade são parte do processo de investimento, incluindo explicações claras caso esses riscos sejam considerados irrelevantes.

Regulamentação de benchmarks: Foi alterada para introduzir duas novas classificações de benchmarks relacionados ao clima: benchmarks de transição climática da UE e benchmarks alinhados com o Acordo de Paris. Estes novos benchmarks visam garantir uma compreensão consistente entre os usuários de benchmarks e são focados em administradores de benchmarks, mas também têm impactos indiretos para usuários de benchmarks, como gestores de ativos.

Implicações para gestores de ativos e instituições financeiras

Para gestores de ativos, a nova estrutura regulatória da UE implica em uma série de obrigações novas e rigorosas. A regulamentação de taxonomia exige que os gestores façam declarações sobre o alinhamento de seus investimentos com a taxonomia ao disponibilizar produtos financeiros. Isso significa que os gestores precisam ter um entendimento claro e detalhado de como suas atividades de investimento se alinham com os critérios de sustentabilidade definidos pela taxonomia.

Além disso, a regulamentação de divulgação exige que gestores de ativos e instituições financeiras divulguem como integram riscos de sustentabilidade em seus processos de investimento. Isso inclui a publicação de políticas detalhadas em seus websites e a inclusão de informações relevantes em documentos pré-contratuais. Esta transparência é crucial para assegurar que os investidores estejam cientes dos riscos e impactos ambientais e sociais de suas decisões de investimento.

A regulamentação de benchmarks, por sua vez, fornece uma estrutura para medir e comparar a sustentabilidade dos investimentos, promovendo uma compreensão clara e consistente dos benchmarks climáticos e de transição dentro da UE. Com a introdução dos Benchmarks de Transição Climática da UE e dos Benchmarks Alinhados com o Acordo de Paris, os gestores de ativos têm novas ferramentas para avaliar o impacto ambiental de seus portfólios e garantir que suas estratégias de investimento estejam alinhadas com os objetivos climáticos da UE.

Desafios e oportunidades

Embora o novo quadro regulatório da UE para ESG seja visto como um passo positivo em direção à sustentabilidade, também apresenta desafios significativos para os gestores de ativos e instituições financeiras. A implementação dessas novas regras exige investimentos substanciais em sistemas de coleta de dados e relatórios, além de treinamento e capacitação para garantir que todos os aspectos das regulamentações sejam compreendidos e seguidos.

Os gestores de ativos e as instituições financeiras precisarão adaptar suas operações para atender aos novos requisitos de transparência e relatórios, o que pode envolver a reestruturação de processos internos e a adoção de novas tecnologias de monitoramento e análise de dados. Além disso, a necessidade de garantir a precisão e a integridade dos dados ESG pode exigir a criação de novos procedimentos de auditoria e controle de qualidade.

No entanto, essas mudanças também oferecem oportunidades. Gestores de ativos que conseguirem se adaptar rapidamente às novas regras poderão se posicionar como líderes em investimentos sustentáveis, atraindo investidores que valorizam a transparência e a sustentabilidade. Além disso, a padronização das práticas ESG pode levar a uma maior eficiência e redução de custos a longo prazo, à medida que as empresas se alinham com critérios claros e bem definidos.

Outro benefício potencial é o aumento da confiança dos investidores, que podem tomar decisões mais informadas com base em informações precisas e transparentes sobre a sustentabilidade dos produtos financeiros. Isso pode levar a uma maior demanda por investimentos sustentáveis, incentivando ainda mais empresas a adotar práticas ESG robustas e transparentes.

Comparação com a regulamentação ESG no Brasil

No Brasil, a regulamentação de ESG ainda está em estágio inicial comparado à União Europeia. Embora existam iniciativas importantes e um crescente interesse em sustentabilidade entre empresas e investidores, a estrutura regulatória brasileira para ESG ainda está se desenvolvendo e não possui a mesma abrangência e detalhamento das normas europeias.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem dado passos importantes na promoção da transparência e divulgação de informações ESG por parte das empresas listadas. Em 2021, a CVM lançou a Resolução nº 14, que obriga as companhias a divulgarem informações sobre seus impactos ambientais, sociais e de governança em seus relatórios anuais. No entanto, essa exigência ainda não é tão rigorosa quanto as regulamentações da UE.

Além disso, o Banco Central também tem se movido na direção de incorporar considerações ESG em suas políticas e diretrizes. Em 2021, o Bacen lançou uma série de normas que obrigam as instituições financeiras a integrarem riscos socioambientais em suas estratégias de gestão de riscos. Estas normas fazem parte da Agenda BC#, uma iniciativa que visa modernizar e aprimorar o sistema financeiro brasileiro, incorporando práticas de sustentabilidade.

Apesar desses avanços, a falta de um sistema de classificação unificado e de normas detalhadas comparáveis à taxonomia da UE ainda representa um desafio significativo para a consolidação das práticas ESG no Brasil. As empresas brasileiras frequentemente enfrentam dificuldades em entender e aplicar os critérios ESG de forma consistente, o que pode resultar em práticas variadas e, em alguns casos, greenwashing.

A integração de critérios ESG no Brasil também é influenciada por fatores econômicos e sociais específicos do país, incluindo desigualdades sociais profundas e desafios ambientais únicos, como o desmatamento na Amazônia. Essas questões requerem abordagens personalizadas que considerem o contexto local e as necessidades específicas das comunidades afetadas.

Perspectivas futuras

A implementação do novo quadro regulatório de ESG da UE está apenas começando, e suas implicações completas ainda estão por ser totalmente compreendidas. À medida que as empresas começam a relatar e divulgar suas práticas de sustentabilidade de acordo com os novos regulamentos, espera-se que surjam novas melhores práticas e padrões do setor.

Além disso, a harmonização das práticas ESG na Europa pode servir como modelo para outras regiões e jurisdições, que podem adotar abordagens semelhantes para promover a sustentabilidade em seus mercados financeiros. Isso pode levar a uma maior convergência global em torno de práticas e padrões ESG, criando um ambiente de investimento mais transparente e sustentável mundialmente.

A longo prazo, o sucesso do novo quadro regulatório de ESG da UE dependerá da capacidade das empresas de se adaptarem às novas regras e de integrarem plenamente as considerações de sustentabilidade em suas operações e estratégias de investimento. Também será crucial que os reguladores continuem a monitorar e ajustar o quadro regulatório conforme necessário, para garantir que ele permaneça eficaz e relevante em um cenário de sustentabilidade em rápida evolução.

Conclusão

O novo quadro regulatório europeu de ESG representa um avanço significativo na promoção de práticas de sustentabilidade e na prevenção do greenwashing. Através da regulamentação de taxonomia, da regulamentação de divulgação e da regulamentação de benchmarks, a UE está estabelecendo padrões claros e consistentes para investimentos sustentáveis. Embora a implementação dessas regras apresente desafios, também oferece oportunidades para gestores de ativos e instituições financeiras que estão dispostos a se adaptar e liderar o caminho para um futuro mais sustentável.

A harmonização das práticas ESG na Europa não apenas melhora a confiança dos investidores, mas também promove um mercado mais justo e transparente, onde as alegações de sustentabilidade são suportadas por dados robustos e análises detalhadas. À medida que essas regulamentações entram em vigor, espera-se que tenham um impacto significativo não apenas dentro da UE, mas também em nível global, à medida que outras jurisdições observam e possivelmente adotam abordagens semelhantes para promover a sustentabilidade em seus mercados financeiros.

No Brasil, a regulamentação ESG está em um estágio mais inicial, mas está evoluindo com iniciativas importantes lideradas pela CVM e pelo Banco Central. A falta de um sistema de classificação unificado e normas detalhadas comparáveis às da UE representa um desafio, mas o crescente interesse em sustentabilidade e as iniciativas do mercado financeiro são sinais positivos de progresso.

Ao comparar os dois contextos, é claro que a UE está mais avançada em termos de regulamentação ESG, mas o Brasil está fazendo avanços significativos. A troca de conhecimentos e a adaptação de melhores práticas internacionais podem ajudar o Brasil a acelerar seu progresso em direção a um futuro mais sustentável e alinhado com os padrões globais.

Fonte: Conjur