
No Brasil, a prática de realizar detenções antes do julgamento, conhecida como prisões preventivas, continua sendo amplamente utilizada, o que alimenta o sistema de execução antecipada de penas.
Punitivismo do dia a dia
Segundo especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, muitas das prisões preventivas decretadas no Brasil funcionam como substituto da execução antecipada da pena. De acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), até o final de 2023, cerca de 213 mil pessoas estavam presas no país sem terem sido condenadas. Esse número representa um aumento significativo em relação a 20 anos atrás, quando havia apenas 67 mil presos provisórios.
Os especialistas apontam diversos fatores explicativos para essa situação, como a decisão de juízes em discordar dos precedentes estabelecidos pelos tribunais superiores e uma mentalidade punitivista que se reflete na legislação e no dia a dia do Judiciário. Entre os problemas apontados, destaca-se a falta de distinção clara entre porte e tráfico de drogas na Lei de Drogas (Lei 11.343/06).
Essa diferenciação está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), porém uma proposta de emenda à Constituição aprovada pelo Senado pode adiar a definição do assunto. O texto da emenda considera crime o porte de drogas em qualquer quantidade.
A ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirma que tem julgado diariamente uma grande quantidade de pedidos de Habeas Corpus envolvendo prisões por porte de drogas e crimes patrimoniais, e observa que muitas das prisões preventivas são equivocadas, sendo decretadas como uma forma de punição antecipada para transmitir uma sensação de segurança à sociedade.
Outro especialista, Diego Polachini, que atua no Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, concorda com essa interpretação e afirma que parte das prisões provisórias serve apenas para enviar uma mensagem à sociedade, mesmo sabendo que a pessoa será solta após o julgamento.
A questão das prisões provisórias é complexa e não pode ser atribuída a um único problema. No entanto, a Lei de Drogas e a falta de critérios objetivos para diferenciar tráfico e porte para consumo têm se mostrado um problema significativo.
Dados do STJ mostram que discussões envolvendo prisões preventivas são recorrentes na corte. Em 2023, foram registrados 9.141 casos dessa natureza, ficando atrás apenas de casos relacionados a tráfico de drogas, homicídio qualificado e roubo majorado.
No que diz respeito ao tráfico de drogas, a definição sobre a distinção entre tráfico e porte é muito debatida, especialmente em relação à maconha. Uma corrente de entendimento considera como usuários aqueles que têm até 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. No entanto, um levantamento do Ipea mostrou que cerca de um terço dos casos de condenação por apreensão de maconha envolvem pessoas que portavam até 40 gramas da droga. Assim, uma possível decisão do STF nesse tema poderia afetar tanto as prisões preventivas quanto os casos em que já houve sentença.
Apesar de um número considerável de prisões preventivas, o ministro Rogerio Schietti, do STJ, destaca que esse número tem diminuído nos últimos anos, principalmente devido a revisões a cada 90 dias e às decisões dos tribunais superiores exigindo maior rigor na análise dessas cautelas.
No entanto, é preciso destacar que ainda há divergências e desafios nesse contexto, e a discussão sobre prisões provisórias continuará sendo um tema relevante no STJ e no STF.