**Opinião**

“Papai tomou banho hoje,
quer vestir sua camisa azul de anil,
fio sintético transparente, um bolsinho só.
Quem me dera um só dia
dos que vivi chorando em minha vida
quando éreis vivos, ó meu pai e minha mãe”.
(Adélia Prado, Tanta Saudade)

De acordo com a Associação Brasileira de Registradores Civis de Pessoas Naturais (ArpenBR), no ano de 2023, 172,2 mil crianças nascidas no Brasil foram registradas apenas com o nome da mãe, o que aponta um aumento da ordem de 5% em relação a 2022. Segundo pesquisa realizada pelo Grupo Globo em conjunto com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023, 48,7% dos lares brasileiros tinham a mulher como “chefe de família”, ou seja, a pessoa responsável pelas despesas domésticas e pela criação dos filhos.

Tradicionalmente, o ordenamento jurídico brasileiro protegeu e valorizou a família baseada no casamento, o que, dentre outras consequências, conduzia à distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Era muito comum que o pai resistisse a registrar espontaneamente o filho considerado “ilegítimo”. Em sentido semelhante, o Código Civil de 2002 prevê o adultério como motivo ensejador da ação de separação.

Paulatinamente, verificou-se a mudança do eixo central do Direito de Família do casamento para a multiplicidade de arranjos familiares, calcadas no afeto. A igualdade de direitos entre filhos havidos ou não na constância do casamento, o reconhecimento da união estável como ensejadora de direitos equivalentes aos do casamento e a admissibilidade da filiação socioafetiva são apenas alguns dos avanços que permitiram a configuração desse novo cenário.

Analisando-se tais elementos, era de se esperar que o número de registros de nascimento apenas com o nome da mãe experimentasse drástica queda ao longo dos anos no Brasil. Todavia, os dados estatísticos colacionados revelam uma realidade absolutamente diversa e dramática.

Para tentar compreender esta realidade, faz-se necessário ampliar o espectro das variáveis que são objeto de análise. Por exemplo, dados estatísticos também demonstram que, na sociedade contemporânea, os relacionamentos afetivos têm menor duração, o que, inclusive, ensejou juridicamente uma intensa desburocratização do divórcio e da dissolução da união estável. A prática revela que, lamentavelmente, quando o pai não está envolvido em um relacionamento afetivo com a mãe da criança no momento da lavratura do registro de nascimento, há a tendência a que ele não se prontifique a reconhecer espontaneamente a paternidade em cartório.

Empiricamente, verifica-se, ainda, na rotina extrajudicial, que uma solução legislativa originalmente criada para facilitar o reconhecimento espontâneo de paternidade acabou, infelizmente, por ter o efeito inverso. Até 2016, caso o pai reconhecesse a paternidade no momento do registro do nascimento da criança em cartório, não havia que se falar em pagamento de emolumentos. No entanto, a partir da edição da Lei Federal nº 13.257/2016, que tornou-se gratuita a averbação de paternidade de crianças e adolescentes, o incentivo de ordem pecuniária deixou de existir.

A soma destes e outros fatores conduz à desoladora realidade brasileira atual: um contingente crescente de crianças registradas apenas com o nome da mãe. Esse cenário preocupante exige respostas que privilegiem a proteção integral e o melhor interesse de crianças e adolescentes.

Uma das medidas já disponíveis é aquela prevista no artigo 2º da Lei Federal nº 8.560/1992, que trata da chamada averiguação de paternidade e atribui aos registradores, promotores de justiça e magistrados o dever de averiguar a paternidade biológica das crianças registradas sem o nome do pai a partir do termo declaratório firmado pela mãe. Desde a publicação do Provimento 16/2012, 225.829 reconhecimentos de paternidade foram realizados.

Evidentemente, a paternidade não se consuma, como passe de mágica, pela averbação. Não basta a inclusão do nome do pai no registro de nascimento; faz-se necessário que esse pai efetivamente exerça a paternidade e cumpra com os deveres daí decorrentes. Trata-se do chamado princípio da paternidade responsável, corolário da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente.

Também é assente na jurisprudência atual que, ainda que o autor de ação negatória de paternidade logre ilidir a paternidade biológica, caso reste demonstrado nos autos ter decorrido longo lapso temporal durante o qual o autor comportou-se efetiva e publicamente como se pai fosse, restando comprovado vínculo de paternidade socioafetiva, mantém-se seu nome no registro de nascimento.

Sabemos que genuinamente ser pai é muito mais do que constar no registro. Como preconiza o dito popular “não basta ser pai, tem que participar”. No entanto, constar como pai no registro de nascimento é um importante primeiro passo para que seja garantida toda uma gama de direitos à criança e ao adolescente em decorrência do reconhecimento jurídico da relação de filiação. Portanto, para que alcancemos o ideal da paternidade responsável, em que tenhamos pais presentes, ciosos de seu papel e efetivamente participantes da vida de seus filhos, o ato básico de cidadania é precisamente que o seu nome conste como pai no respectivo registro de nascimento do filho, para todos os fins de Direito.

Neste mês de agosto, dedicado aos pais, vimos exortar todos os leitores a valorizar o reconhecimento de paternidade, espontâneo ou averiguado, como pressuposto da concretização do princípio da paternidade responsável e da proteção integral das crianças e dos adolescentes no Brasil.

Fonte: Conjur