
A reunião regular dos acionistas e o artigo 159 da legislação das sociedades anônimas.
O mês de abril é um momento crucial para as empresas, pois é quando acontece a aprovação de contas em assembleias gerais ordinárias (AGOs). Essas assembleias são obrigatórias e devem ser realizadas até o dia 30 de abril, tanto para sociedades limitadas quanto para sociedades anônimas de capital fechado e aberto. Nas AGOs, surgem diversos aspectos jurídicos importantes relacionados aos sócios/acionistas, administradores e a própria empresa.
A importância dessas assembleias é tanta que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emite, todos os anos, um ofício circular no qual consolida seu entendimento sobre a legislação societária aplicável às companhias abertas, incluindo os procedimentos a serem seguidos para a realização das AGOs.
Neste ano, o Ofício Circular Anual 2024 CVM/SEP, emitido em 07/03/2024, traz novidades sobre o tema, consolidando o entendimento da CVM sobre o exercício do direito de voto pelo acionista nas AGOs em determinadas situações.
É compreensível que a CVM dê tanta importância a esse assunto, uma vez que a AGO é o momento anual para discutir as responsabilidades dos acionistas e dos administradores, o que está intrinsecamente ligado à prestação de contas. De acordo com a Lei das S.A., os administradores e os auditores independentes, se houver, devem participar da AGO. A aprovação, sem reservas, das demonstrações financeiras e das contas pelos acionistas exonera os administradores de qualquer responsabilidade, salvo em casos de erro, dolo, fraude ou simulação.
Nessa época, os editais de convocação já devem ter sido publicados e as demonstrações financeiras devem estar prontas, disponibilizadas para os acionistas e publicadas conforme a legislação aplicável. Isso permite que eles exerçam seu direito de voto na AGO.
Para as companhias abertas, há ainda mais exigências, como a disponibilização da proposta detalhada da administração sobre a destinação do resultado do exercício e do boletim de voto à distância.
Quanto à publicação das demonstrações financeiras, a Instrução Normativa nº 01/2024 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei) consolidou o entendimento de que, para as sociedades limitadas de grande porte, a publicação é facultativa. Já para as sociedades anônimas, a publicação deve ser feita em jornal de grande circulação no local da sede da companhia, incluindo a divulgação na CVM, B3 e no site de relações com investidores, no caso das companhias abertas. As companhias fechadas com receita bruta anual de até R$78.000.00,00 podem realizar as publicações de forma eletrônica, na Central de Balanços do Sistema Público de Escrituração Digital.
No dia da assembleia, mesmo que não esteja previsto na ordem do dia do edital de convocação, os acionistas têm o direito de propor a deliberação sobre ação de responsabilidade civil contra os administradores pela gestão realizada no exercício social anterior e pelos prejuízos causados à empresa, conforme o artigo 159 da Lei das S.A..
O exercício do direito de voto na AGO é de extrema importância, sobretudo quando acionistas ocupam também a posição de administradores da sociedade, o que é comum no cenário empresarial brasileiro. O artigo 115, §1º, da Lei das S.A. estabelece que o acionista não pode votar na aprovação de suas próprias contas como administrador, nem em qualquer outra matéria que possa beneficiá-lo de forma particular ou em que haja conflito de interesse com a companhia.
Há discussões na doutrina e jurisprudência sobre a natureza e abrangência desse conflito de interesses previsto no artigo 115, dividindo-se em duas teses: a tese do conflito formal, que propõe um impedimento prévio e formal para o exercício do direito de voto, e a tese do conflito material/substancial, que não reconhece o impedimento de voto e defende a avaliação posterior do voto proferido.
Por meio do Ofício Circular Anual 2024 CVM/SEP de 07/03/2024, a CVM consolida seu entendimento atual sobre a possibilidade de o acionista/administrador votar em relação à deliberação sobre a propositura de ação de responsabilidade civil contra si. Segundo esse entendimento, as hipóteses de conflito de interesses do artigo 115 devem ser interpretadas de acordo com a tese material/substancial, ou seja, o acionista/administrador pode votar nessas situações, desde que demonstre posteriormente a falta de interesse conflitante com a companhia, podendo se valer de estudos técnicos, pareceres, opiniões de especialistas e consultas a órgãos independentes.
Caso seja proposta uma ação de responsabilidade civil contra os administradores de uma companhia aberta, essa ação é considerada uma “demanda societária” pelas normas da CVM. A companhia é obrigada a comunicar essa ação, conforme previsto no Ofício Circular Anual 2024 CVM/SEP.
A preparação para as AGOs, tanto para sociedades limitadas quanto para sociedades anônimas, tem se mostrado cada vez mais fundamental para proteger os direitos dos administradores, acionistas e da própria empresa, além de contribuir para o desenvolvimento do ambiente acionário. Não deve ser encarada como uma mera formalidade legal, como ainda é feito por muitas empresas brasileiras, especialmente as de capital fechado. Todos os envolvidos nesse processo devem estar bem amparados para enfrentar essa temporada de AGOs, que ocorre neste mês.
(Fonte: Conjur)